A possível fusão entre as companhias aéreas Gol e Azul tem gerado intensos debates no setor de aviação nacional. Durante um encontro com jornalistas, ontem, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, assegurou que o governo federal não permitirá que a iniciativa resulte em aumento de tarifas para os consumidores. Apesar do otimismo do ministro, especialistas e representantes do setor demonstram preocupações sobre os impactos da união.
“A Gol e a Azul continuarão existindo como marcas independentes, mas poderão colaborar para otimizar a malha aérea. Isso significa que voos com o mesmo destino podem ser unificados, liberando aeronaves para atender novas rotas e ampliando a conectividade no Brasil”, disse Costa Filho. Segundo o ministro, a proposta busca fortalecer as empresas sem prejudicar a competitividade do setor ou onerar o consumidor.
As dificuldades financeiras enfrentadas pelas duas empresas são um dos principais motivos por trás da possível fusão que poderá resultar na maior companhia aérea do mercado brasileiro. A Gol entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, em 2022.
“Nosso pior cenário seria o fechamento de empresas como a Gol e a Azul. A fusão é uma oportunidade para ambas se fortalecerem, sem causar prejuízo ao mercado ou à concorrência”, afirmou Costa Filho. Para ele, o mercado, já concentrado entre Gol, Azul e Latam, não sofrerá impactos significativos na estrutura competitiva.
Apesar da promessa de manutenção das marcas e operações independentes das duas empresas, o movimento é considerado um dos mais significativos no setor aéreo nacional, envolvendo duas das maiores companhias aéreas do país, que juntas controlam cerca de 60% do mercado de aviação civil doméstica. O economista e especialista em contas públicas José Roberto Afonso, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, avaliou o cenário de forma mais crítica. “É gol contra, como podemos chamar essa opção que não atrai novos investimentos para o setor. Fusões que resultam em concentração muito menor de mercado foram rejeitadas recentemente nos EUA e na Europa. Por que o Brasil seria diferente?”, questionou. Segundo ele, a concentração de mercado pode levar a aumentos de preços, piora nos serviços e demissões no setor.
O advogado especializado em Direito Societário e Aviação, Rodolpho Oliveira Santos, também apontou limitações na fusão. “Não consigo enxergar nada de positivo na ótica do consumidor. O objetivo de gerar caixa das empresas não se coaduna com o interesse do consumidor”, afirmou. Ele também destacou a falta de políticas públicas no Brasil para incentivar o setor aéreo, contrastando com o modelo europeu, onde subsídios e incentivos fortalecem as companhias.
Acompanhamento
Silvio Costa Filho garantiu que a fusão será acompanhada de perto por órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Ele enfatizou que o governo será rigoroso para evitar impactos negativos aos consumidores.
“Estamos atentos para que nenhuma decisão comprometa a competitividade do setor ou penalize o consumidor com aumentos tarifários”, garantiu o ministro. Segundo ele, qualquer aumento de preços ou práticas que prejudiquem a concorrência será amplamente investigado.
Porém, especialistas apontam que a fusão pode afetar, sobretudo, regiões menos desenvolvidas, onde a concentração de mercado é ainda maior. “Os passageiros dessas regiões devem ser os mais atingidos, pois já enfrentam mercados muito mais concentrados”, alertou José Roberto Afonso.
Vale lembrar que, no início do deste mês, a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), fechou um acordo entre Azul e Gol para regularizar dívidas tributárias de R$ 7,5 bilhões junto à União. E, na quarta-feira, a Azul e a Abra, principal investidora da Gol, anunciaram a assinatura de um Memorando de Entendimento (MoU) que marca o início das conversas para uma possível fusão de seus negócios no Brasil.
Sinergia e conectividade
De acordo com comunicado da Azul, a combinação das duas empresas busca expandir o mercado aéreo brasileiro, aumentar a conectividade e oferecer mais opções aos consumidores, tanto em voos domésticos quanto internacionais. “O objetivo da combinação de negócios é promover o crescimento da indústria aeronáutica brasileira, por meio de mais destinos, rotas, conectividade e serviços aos consumidores”, declarou o CEO da Azul, John Rodgerson. Ele ressaltou que a união pode contribuir para o aumento da oferta de voos domésticos e internacionais, além de gerar novos empregos e fortalecer o setor aéreo nacional.
No comunicado divulgado pela Gol, a empresa reafirmou seu compromisso em seguir de forma independente, destacando que o memorando é apenas uma etapa inicial de análise. “Nada muda no dia a dia da nossa operação. O anúncio da Abra [plataforma que investe na Gol e Avianca] é o início de um longo processo que poderá ou não terminar em consolidação”, informou a Gol.
Procurada, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) informou que, por questões de compliance e especificidades de cada companhia, não comentará o tema. A Latam, atual líder do mercado, também não comentou o assunto.