Com os clubes brasileiros formando ligas, fundos e gestoras de recursos estrangeiros demonstram interesse em realizar alguma operação financeira com essas entidades, colocando os clubes no radar dos investidores
O mercado esportivo mundial foi estremecido com a anúncio, em agosto do ano passado, de que a La Liga espanhola vendeu 10% de suas operações para o CVC Capital Partners por 2.7 bilhões de euros, o que leva a uma valorização da liga em 27 bilhões de euros. É um negócio sem precedentes na indústria do esporte, por todos os aspectos que rondam a transação: uma liga de futebol vendendo participação acionária a um terceiro, um fundo de private equity se associando a uma liga de futebol top 5 do mundo, valor do aporte e avaliação da liga.
Enquanto o mundo assiste à concretização de negócios arrojados no futebol, no Brasil ainda não estamos acostumados com operações financeiras e societárias sofisticadas. Considerando que os clubes seguem modelo societário de associação, o que temos basicamente no mercado são empréstimos de alguns poucos bancos e, de uma forma mais elaborada, alguns FIDCs para comprar recebíveis dos clubes (geralmente provenientes dos contratos de televisão). Contudo, existem no horizonte sinais de que isso pode mudar, e um deles já ficou claro pelo acordo La Liga / CVC.
Sinais desta mudança vem, primeiro, do ambiente local, já que teremos finalmente um marco regulatório para a transformação dos clubes em empresa, o que pode ser um indutor de novos negócios no setor eis que dá uma sensação de segurança jurídica ao investidor. Segundo, pois globalmente existe uma liquidez nunca vista antes para investimentos no esporte, seja para Rúgbi, NBA, NHL, NFL e MLB, mas também para o futebol, e isto tende a chegar ao Brasil.
E esse fluxo de investimentos vem empacotado na forma de private equity e mira em dois negócios: investimento em clubes e investimento em ligas.
Em dezembro de 2020, a ALK Capital comprou o clube inglês Burnley. Na França o Bordeaux é controlado por King Street Capital Management e o Nancy por New City Capital. Elliot Management Corporation, gestora de aproximadamente 42 bilhões de dólares, é dona do Milan. No final de 2019 a Silver Lake comprou 10% do City Football Group (holding que reúne o Manchester City, New York City e outros 9 clubes) por 500 milhões de dólares.
Em março de 2021 a Fenway Sports Group, conhecida por ser proprietária do Liverpool e do Boston Red Sox, vendeu participação acionária para o RedBird Capital Partners, o que resultou na avaliação da Fenway em 7.3 bilhões de dólares.
Em junho do ano passado, o Atlético de Madrid, por intermédio de sua holding controladora, anunciou a entrada da Ares Management Corporation, que gere globalmente aproximadamente 227 bilhões de dólares, mediante o pagamento de 180 milhões de euros por 33.96% do Atletico HoldCo.
Percebendo esta tendência, a MLS não poderia ficar atrás e aprovou no final de 2020 novas regras que abrem espaço para que investidores institucionais (leia-se private equity) possam comprar até o máximo de 20% das ações de um clube.
Esses movimentos do capital internacional são interessantes sob uma perspectiva geopolítica pois o que vimos na última década, ou um pouco mais que isso, eram aquisições de clubes de futebol, sobretudo dos maiores, concentradas nas mãos das famílias reais do Oriente Médio, russos e chineses. Agora temos um novo player no mercado, que são os fundos de private equity americanos.
Mas não apenas os clubes de futebol são vistos como ativo de investimento, como visto no primeiro parágrafo deste texto agora os olhares também se direcionam para as ligas de futebol. Tradicionalmente as ligas são constituídas tendo como sócios, e condutores das atividades, apenas os clubes de futebol que disputam a competição organizada pela liga, sem nenhum sócio externo. Isso vai mudar, a transação da La Liga e CVC é emblemática neste contexto.
Antes da concretização do negócio na Espanha, a liga alemã manteve conversas com fundos de private equity para uma possível venda de participação acionária minoritária em duas subsidiárias, cujos negócios envolviam a licença para exploração de direitos comerciais, esportes eletrônicos e operação e distribuição de jogos pela plataforma OTT. Os clubes decidiram, por enquanto, suspender as negociações.
A liga italiana esteve em negociações avançadas no ano passado com o CVC Capital Partners, Advent International e Fondo Strategico, em um acordo que levaria à liga o valor de 1.7 bilhão de euros em troca de uma participação de 10% em uma nova empresa a ser criada para gerenciar a mídia e direitos comerciais da liga. O negócio não foi adiante pois houve um desacordo entre os clubes italianos.
Cabe lembrar também aqui o estrondoso, porém malsucedido, lançamento da Superliga europeia, que contava com financiamento do banco JP Morgan.
É possível observar que existe no plano internacional uma liquidez enorme, sobretudo no mercado americano, para investimento no esporte, não apenas para a compra de clubes (não necessariamente de futebol), como também para investimentos em empresas que possuam produtos tecnológicos relacionados ao esporte. Em paralelo a isso, e sendo uma das fontes desta liquidez, houve um ‘boom’ no Estados Unidos nas captações de recursos via SPACs para investimentos no esporte.
E o Brasil nisso tudo?
Chamou a atenção de todos, em junho do ano passado, o anúncio de que os clubes, finalmente, desejam criar uma liga nacional para gerir as Séries A e B do Campeonato Brasileiro, e colocaram o carro na rua para materializar esta intenção. Logo surgiram notícias de que fundos e gestoras de recursos estrangeiros teriam interesse em realizar alguma operação financeira com esta entidade em gestação, que terá, entre outras atribuições, a competência de negociar, coletivamente, espera-se, um novo acordo para a transmissão dos jogos a partir de 2025.
Também é merecedor de registro o fato de que o BTG entrou no mercado esportivo em julho deste ano. Será uma tendência a ser seguida por outros bancos de investimento e gestores de recursos? Logo saberemos.
Atualmente, a imensa maioria dos recursos aportados nestas transações tem origem nos Estados Unidos e vão em direção à Europa. Chegarão ao Brasil? Entendo que sim. Em menor escala, valor e velocidade, mas se percebe claramente que nos últimos meses os clubes brasileiros, vagarosamente, começam a entrar no radar de investidores. Qual o perfil deste investidor? Normalmente é aquele que pretende replicar uma estratégia parecida com a implementada pelo City Football Group e comprar clubes em países diferentes. Qual é a estratégia no Brasil? Buscar o talento, garimpar os melhores jogadores e levá-los à Europa ou Estados Unidos, gerando ganhos esportivos e financeiros com essas transferências.
E esse casamento, então, vai longe? A julgar pelo tamanho do investimento realizado pela CVC na La Liga, que poderá destravar as operações de investimento que estavam suspensas ou canceladas nas outras ligas, existem razões suficientes para imaginar que temos um horizonte de longo prazo bem definido, que certamente será um indutor de mais negócios no setor. Afinal de contas, quem entra para investir no futebol sabe que está entrando numa operação de longo prazo.
Via Exame.
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